Guto Ferreira, técnico, Ceará — Foto: Thiago Gadelha/SVM

Por Lucas Catrib e Luciano Rodrigues — Fortaleza, CE

A temporada histórica de Vina e companhia no Ceará de 2020 tem como chefe um veterano no futebol: Augusto Sérgio Ferreira, ou como é acostumado, Guto Ferreira. Em entrevista exclusiva ao ge, o treinador celebra as marcas da temporada, regadas a bicampeonato invicto da Copa do Nordeste, melhor campanha na história da Série A por pontos corridos e classificação para a Sul-Americana, e ainda comenta sobre família, preconceito devido ao peso e carinho da torcida.

Quando a gente comenta esse tipo de coisa, sobre o peso, é para que aquelas pessoas preconceituosas revejam um pouquinho mais o seu preconceito e tentem entender que ninguém é perfeito. Atrás dessa pessoa, existem muitas coisas positivas, e não é o corpo dela que define o caráter, a competência, uma série de situações. Independente disso, acho que recebo muito mais carinho do que qualquer outra coisa. O importante é estar feliz, e eu estou. A marca “Gordiola” sempre trouxe para mim trouxe muito mais carinho do que qualquer outra coisa, ajudou a quebrar certos preconceitos, quando comento algumas coisas, é para quebrar certos bullyings que outras pessoas possam vir a sentir e não estarem preparados para vir a sofrer esse preconceito, mas que eles sejam fortes e tiram de letra porque isso não vai fazê-los menor em nada. A gente sabe que isso pode dar algum problema de saúde, mas eu tento buscar as soluções para os meus problemas, cada um resolve os seus. É uma visão totalmente ultrapassada, fora de tempo – acredita.

Depois de vários objetivos concluídos, como permanência do Ceará na Série A e vaga na Sul-Americana, Guto comentou sobre o que almejar para 2021.

– Se a gente conseguir fazer esse ano um pouco melhor do que foi o ano passado, vamos novamente buscar resultados expressivos e chegar um pouco mais perto do topo. Isso, ano a ano vai se crescendo até que você chega sólido no patamar das grandes equipes. A busca é fazer um ano um pouco melhor do que foi 2020. É possível? É. Existe a fé e a intenção para que isso aconteça? Sim. O clube acredita? Sim, a começar pelo presidente, que é a principal cabeça ali. A partir disso, sonhar, já sonhamos, arregaçar as mangas, já arregaçamos, e a hora que estiver jogando, jogar da melhor maneira possível e buscar os resultados.

Prestes a completar um ano pelo Alvinegro cearense, Guto se tornou o primeiro treinador a concluir um trabalho pelo Ceará na Série A nas seis participações do clube na era dos pontos corridos. Aos 54 anos e com trabalhos consistentes em diversos times do país, a inspiração passa pelo nome de comandantes históricos, como Telê Santana.

– Fui um cara iluminado na minha carreira, porque pude trabalhar próximo de muitos ícones, caras fantásticos, falo Telê Santana, Muricy Ramalho, Paulo Autuori, Abel Braga, Hélio dos Anjos, Celso Roth, e sempre busco avaliar em profissionais como o Vanderlei Luxemburgo e Felipão. As virtudes, os caras de fora que você vai tentar aprender alguma coisa, refletir sobre o que tem de bom e ruim. Dorival Júnior é um cara fantástico, que conheci em um curso da CBF e é um cara fantástico. Quando você conhece a essência da pessoa, o que flui é o que está dentro da pessoa no trabalho dela. A essência e o caráter são tão importantes quanto o trabalho, é fundamental para que as coisas aconteçam. No futebol, a gente costuma dizer que, no final de tudo, o que fica são as amizades que você faz. O que você ganhou, perdeu, passa, o dinheiro que você ganhou, você gasta, o que fica são as amizades – aponta.

Confira outros pontos da entrevista com Guto Ferreira:

ge: Até agora, o Ceará anunciou oito reforços. Com essas chegadas, o Ceará vai mudar muito a maneira de jogar ou os contratados vão se adaptar a maneira de jogar?

– Na verdade são jogadores com maneiras de jogar parecidas, mas nunca uma equipe é igual a outra. A gente precisa buscar a melhoria na maneira de jogar. Reclamamos anteriormente que precisávamos jogar um pouquinho mais do que jogamos, então fomos buscar peças que acrescentam nesse sentido, mas não podemos perder aquilo que a gente tem de melhor. Então vamos buscar o equilíbrio para o que se trouxe não se perca o que se tem de melhor e acrescente outros valores importantes dentro da estrutura.

ge: Como evitar o desgaste alto dos jogadores?

– Muitos jogadores estão saindo de folga, dá uma amenizada. Pode ser que futuramente a gente tenha que dar três, quatro dias, para jogar com essa solução de descanso. Para fazer isso dentro do futebol brasileiro, só é possível se tiver resultado. Mas às vezes os melhores podem não estar na melhor condição, e você tem que evitar que eles corram o risco de lesão e você tem que tê-los de tanque cheio pra render o melhor. A gente tem que ter muito feeling, contar com a compreensão do torcedor, inteligência da mídia quando for fazer as avaliações para que através de algum tipo de pressão externa, você não tenha que fazer loucuras e não ceda. Só existe um caminho para tudo isso: pelo menos duas equipes, com mais alguns jogadores, independente de jogar, é sempre o Ceará. A gente tem que jogar com muita habilidade porque às vezes você ter o conjunto no início, vai faltar perna no fim, e vice-versa, você corre o risco de não ganhar. É uma temporada muito difícil para administrar, mas a gente pede a Deus inteligência, estuda e discute bastante para que a gente sempre tenha os acertos acontecendo e que a temporada seja gloriosa e com resultados para o torcedor – explana.

ge: Como você planeja o início de temporada: uma mescla de quem estava jogando, incluindo o sub-23, com quem está chegando?

– Com relação ao Aspirantes, foi uma equipe que a gente sempre que pode, assistiu. Tinha no comando uma pessoa de confiança, que era o Daniel Azambuja, e fizeram um brilhante campeonato. Muitos dos nossos jogadores estavam lá, mais um fator para a gente acompanhar, e os que foram destaque, a gente promoveu. Vamos ter uma temporada muito mais difícil do que foi em 2020 pelo fato de que a temporada não terminou. A temporada começou em junho e ela vai até dezembro. Diferente dos outros anos, que a temporada é de 11 meses, essa vai ser de um ano e meio. Diferente de uma temporada em que os jogadores que jogam muito jogam 64 jogos, quando se joga acima de 60 partidas, nessa temporada pode ter, ininterruptamente, muitos jogadores atingindo uma marca acima de 70 jogos. Resumindo: é uma temporada muito mais complicada, onde a gente tem que ter a habilidade para gerir grupo para que os jogadores, individualmente, não estourem, e suportem em fazer na faixa de 85, 90 jogos, os principais jogadores da equipe.

ge: Você gosta do carinho do torcedor?

– Posso dizer que a energia do torcedor faz falta no estádio, pelo carinho que ele tem em algumas saídas, alguns eventos que o torcedor fez próximo à equipe nas ruas da cidade, tem coisas loucas. Semana passada eu estava indo para o CT e emparelha um carro comigo e fala: “baixa o vidro, baixa o vidro”. Pediu para tirar foto comigo e eu disse: “o trânsito, cara”, e ele: “não, está vazio”. Loucura total. Isso é um reconhecimento. É uma situação que lógico que a gente gosta de ser reconhecido. A gente já está longe de casa, algum tipo de energia tem que ocupar a falta do carinho da sua família. Quando vem o torcedor, com certeza preenche.

ge: Ceará vai voltar a disputar uma competição sul-americana após dez anos, e dessa vez, serão no mínimo três jogos fora do país. Como vai ser isso?

– Acho que é fantástico, é uma coisa que valoriza demais o profissional. Essa fase de grupos foi uma sacada, acho muito bom. Já participei da Sul-Americana em 2013 com a Portuguesa, mas fase nacional, 2015 contra o Libertad-PAR, e em 2018, pelo Bahia, mas saí depois que eles avançaram. Agora pela primeira vez vou jogar a fase de grupos, e vai ser muito legal, nível muito bom e acho que isso com certeza vai projetar o nome do Ceará ainda mais e a gente espera fazer uma competição grande sim, o Ceará merece isso.

ge: O que você tem a dizer para aquelas pessoas que o criticaram principalmente no Bahia bastante e hoje sentem saudades do Guto?

– Sinceramente o que passou, passou. O tempo vai mostrando a competência, nós também vamos melhorando, aprendendo, amadurecendo, erros que a gente cometeu lá, a gente deixa de cometer. Que bom que o tempo está mudando as pessoas, fazendo elas reverem conceitos. O mais importante é a gente evoluir. Não tenho o que ficar questionando, tenho que tirar o melhor proveito possível de crítica e avaliação. Se não vier contraponto, você nunca vai conseguir perceber que está errado. Muitas vezes no futebol, quem avalia, avalia sem ter o conhecimento, e você para se proteger de determinadas situações, não se pode dizer tudo. Eu tenho a mania de chamar a responsabilidade para mim, e internamente eu resolvo o que tenho que resolver.

ge: Pensou em pintar o cabelo de roxo igual ao dos meninos?

– Não, nem gosto disso, mas respeito. Chamei a atenção deles. Acho que o jogador em si não precisa tentar chamar atenção por outras situações, tem que chamar atenção pelo futebol, caráter e postura. Esse tipo de situação muitas vezes desfoca o jogador, ao invés de ele ter um rendimento maior, fica menor, ou seja, muito mais cobrado do que ele é capaz de oferecer. É uma espécie de proteção, conselho, que você acaba dando para a vida. O máximo que posso fazer é aconselhar.

Guto Ferreira se diverte com o elenco após conquista — Foto: Reprodução/Vozão TV

ge: Você terá férias?

– Preciso dar atenção à minha esposa, junto com a gente para exercer a profissão, sempre cuidando dos filhos e a gente de vez em quando tem que viver um pouquinho. Brinquei até com o presidente: isso (a folga) era um dos pontos fundamentais para a renovação de contrato. Vou fazer 25 anos de casado no dia 23 de março.

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