Semifinalista de Roland Garros em 1999 e top 25 do ranking, ex-tenista relembra começo da carreira, a chegada de Guga, a “pseudo-fama” do auge e o fim com ouro no Pan de 2003

Fernando Meligeni na semi de Roland Garros
Getty Images
Por Guilherme Costa –

Um dos melhores tenistas da história do Brasil, Fernando Meligeni comemora, nesta segunda-feira, 50 anos. Aposentado desde 2003, ainda é uma das caras mais conhecidas da modalidade no país, por suas conquistas e também pela personalidade.

Fininho, como é conhecido, tem no currículo uma semifinal de Roland Garros em 1999, três títulos em torneios da ATP, além de vitórias históricas contra Pete Sampras, Yevgeny Kafelnikov, Andy Rodick, Marcelo Rios, Carlos Moya, Gustavo Kuerten, Patrick Rafter e Mats Wilander, todos esses que já ocuparam a primeira posição no ranking mundial.

No dia de seus 50 anos, o ge traz uma entrevista especial com Fininho, relembrando várias fases da carreira deste personagem tão importante do esporte nacional.

Fernando Meligeni - Arquivo pessoal
Fernando Meligeni – Arquivo pessoal

“NÃO FUI TOP”

Meligeni em 1999 - Divulgação
Meligeni em 1999 – Divulgação

Apesar de uma década no top 100 do ranking mundial e ter alcançado a 25ª posição no auge da carreira, Fininho não se considera um tenista fora de série. Ele diz que só entendeu seus feitos após a aposentadoria:

– Eu não fui um tenista top. Eu tinha certeza que minha carreira tinha sido boa, mas na época que estava me aposentando, tinha uma sensação de “quase”. Que muitas vezes é colocada pelas pessoas, porque eu cheguei na semi de Roland Garros, tive chances de ir à final e falhei. Cheguei numa disputa de medalha da olimpíada, eu falhei, perdi a semifinal e o bronze, falhei duas vezes. Fui semifinalista de Copa Davis, mas perdi também. Falhei as três vezes que tive oportunidade de arrebentar. Hoje eu tenho prazer em resgatar as minhas conquistas, hoje eu sei que fui um tenista bom para caramba. Tenho um saudosismo gostoso e não sofrível, vai caindo cada vez mais a ficha de quem eu fui – disse.

Eu cheguei na semi de Roland Garros, tive chances de ir à final e falhei. Cheguei numa disputa de medalha da olimpíada, eu falhei, perdi a semifinal e o bronze, falhei duas vezes. Fui semifinalista de Copa Davis, mas perdi também”.

ESTILO ÚNICO

Fernando Meligeni caído após partida - Getty Images
Fernando Meligeni caído após partida – Getty Images

Até a última gota do suor. Assim era Meligeni em qualquer partida que jogava, desde os torneios menores, até a Copa Davis, competição entre países em que defendeu o Brasil por mais de dez anos.

– Eu era conhecido no circuito como um cara que tinha ser arrebentado seis ou sete vezes por jogo para me vencer. Poucos jogadores são assim. O cara podia estar ganhando de 5 a 1 de mim, ele sabia que eu ia até o final. Às vezes eu ganhava muitas partidas por conta disso – relembra.

Fernando Meligeni na semifinal da Copa Davis de 2000 - Getty Images
Fernando Meligeni na semifinal da Copa Davis de 2000 – Getty Images

“O cara podia estar ganhando de 5 a 1 de mim, ele sabia que eu ia até o final. Às vezes eu ganhava muitas partidas por conta disso”

O JOGO DA VIDA

Todo atleta tem um jogo preferido, e o de Fernando Meligeni é a vitória sobre Pete Sampras na segunda rodada do Masters de Roma, em 1999. Em menos de uma hora, ele venceu o então número 2 do ranking mundial, e considerado um dos maiores da história, por 2 a 0, parciais de 6/3 e 6/1.

Fernando Meligeni e Pete Sampras - Reprodução
Fernando Meligeni e Pete Sampras – Reprodução

– Falem o que vocês quiserem, mas eu ganhei do Sampras. Sabe aquela coisa que você marca? Se o cara ganha do Sampras, é óbio que ele joga bem. E a declaração do Sampras depois do jogo? Ele falou que tomou uma aula de tênis no saibro. Opa, perai. O Sampras falou que tomou uma aula de mim? Alguma coisa diz que joguei bem. Toda minha vida eu joguei, treinei e convivi com ele, e um dia eu ganhei dele – disse.

A DESPEDIDA

Fernando Meligeni - Divulgação/COB
Fernando Meligeni – Divulgação/COB

A despedida veio nos Jogos Pan-Americanos de 2003, em Santo Domingo, onde conquistou a medalha de ouro ao derrotar o chileno Marcelo Rios, ex-número 1 do ranking mundial, na decisão por 2 a 1, após mais de três horas. Foi um jogo síntese de sua carreira. Mas a ideia de parar começou a ser ventilada dois anos antes:

– Na verdade eu imaginei parar em 2001, depois de uma derrota na primeira rodada de um Challenger em Montivideo (Uruguai), quando eu joguei sem vibração nenhuma. E eu estava com meu pai, e falei que tinha sido meu último jogo como profissional. Aí conversei com meu pai, e ele voltou no tempo, e me colocou para treinar com Enrique Perez, que eu queria que fosse meu treinador no início da carreira. Meu pai falou com ele, ele me trouxe de volta para o tênis. Ele fez minha cabeça, consegui bons resultados e me meti de novo perto dos 50 primeiros do ranking. Renasci – relembra.

Fernando Meligeni e Enrique Perez - Arquivo pessoal
Fernando Meligeni e Enrique Perez – Arquivo pessoal

” Posso fazer televisão, curso, palestra, mas nada é igual a jogar tênis, a estar na quadra central de Roland Garros. Nada “

Mas aí veio a hora de parar mesmo. Em Roland Garros, palco em que sempre se destacou, Fernando Meligeni percebeu que sua carreira estava chegando ao fim. O ano era 2003, e ele, que quatro anos antes tinha sido semifinalista, perdeu na primeira rodada do torneio qualificatório. A partir dali, chegou à conclusão que o melhor local para a despedida seria nos Jogos Pan-Americanos, em Santo Domingo.

– Tinha acabado meu prazer de jogar, dificil para caramba parar de fazer o que você ama. Todo mundo supera? Sim, todo mundo supera, mas dói. Dói muito. Posso fazer televisão, curso, palestra, mas nada é igual a jogar tênis, a estar na quadra central de Roland Garros. Nada – disse.

GUGA

Guga e Fernando Meligeni - Divulgação
Guga e Fernando Meligeni – Divulgação

Meligeni dominou o tênis brasileiro entre 1994 e 1997, sendo sempre o número 1 do país no ranking mundial. Aí começou a surgir um tal de Gustavo Kuerten que, em 1997, conquistou o título em Roland Garros.

– Quando o Guga aparece, o que mais me doeu não foi ele me passar no ranking. Era claro que ele jogava muito bem, eu percebi isso já em 1996, quando ele me venceu um torneio em Campinas. Era óbvio que ele era muito bom e ia passar por cima de todo mundo. O que me machucava era eu ser número 50 do mundo e todo mundo falar que eu só era parceiro do Guga. Eu só lia “o parceiro do Guga” isso, o “parceiro do Guga aquilo”. Parecia que eu não era ninguém. Ele era o número 1, claro, mas eu era 25. Eu não era um merda, sabe? – disse.

O que Fininho não esconde é a admiração e amizade com Guga:

– Fora isso, eu e o Guga nos divertimos muito no Circuito, nossa, era muito bom. A gente fez muita coisa legal junto, muita m… (risos). Era muito legal – relembra.

PSEUDO-FAMA

“A expressão “Você é foda”, acaba por derrubar qualquer um. Aquilo infla, parece que você tem quatro metros e fala: “Eu sou o cara”. E isso paralisa, a fama paralisa. Em nenhum momento eu fui babaca, mas eu poderia ter levado bem melhor aquela época”

Fernando Meligeni levantado por colegas - Divulgação
Fernando Meligeni levantado por colegas – Divulgação

Entre 1999 e 2000, Fernando Meligeni viveu a melhor fase da sua carreira. Foi semifinalista de Roland Garros, atingiu o melhor ranking da carreira (25ª posição), foi peça essencial no time nacional da Copa Davis que foi semifinalista em 2000, além de ter vencido jogos importantíssimos contra tenistas relevantes como Patrick Rafter e Pete Sampras. Mas é exatamente desse momento que Meligeni tem uma grande questão:

– Me arrependo de como eu tratei minha pseudo-fama em 2000. Não soube lidar naquela época. Eu estava jogando muito bem, poderia ter me mantido muito tempo ali perto do top-30, mas eu, por algum motivo, ou não acreditei, ou perdi um pouco do foco, o que é normal. Todos nós perdemos foco quando começamos a ganhar. A expressão “voce é foda”, acaba por derrubar qualquer um. Aquilo infla, parece que você tem quatro metros e fala “eu sou o cara”. E isso paralisa, a fama paralisa. Em nenhum momento eu fui babaca, mas eu poderia ter levado bem melhor aquela época – relembra.

O COMEÇO

Argentino de nascimento, veio para o Brasil ainda criança. Durante a Copa do Mundo de 1978, vencida pela Argentina com uma classificação polêmica sobre o Brasil, Meligeni tentava se enturmar em um time de futsal por aqui.

– Eu jogava futebol de salão. Um pseudo-argentino vindo para o Brasil, época de Copa do Mundo, de Mario Kempes, e eu queria ser centro-avante. Era ruim, só corria, mas ninguém tinha me avisado que o centro-avante não corre. Eu só corria e não fazia gol. Eu fazia handebol no colégio, futebol e tênis no clube, e minha familia foi me empurrando, aos poucos, para o tênis – disse.

Fernando Meligeni no início da sua carreira (a direita) - Arquivo pessoal
Fernando Meligeni no início da sua carreira (a direita) – Arquivo pessoal

PAITROCÍNIO

Fernando Meligeni e o pai - Arquivo pessoal
Fernando Meligeni e o pai – Arquivo pessoal

Antes de completar 18 anos, Meligeni assumiu a liderança do ranking mundial juvenil, em 1989. A transição para o adulto, porém, foi lenta e complicada, só se consolidando no top 100 do ranking em 1993, após um boa campanha no torneio de Roland Garros.

– O grande gargalo do tenista é onde a gente perde a maioria dos jogadores: a moelacada não percebe que juvenil é diferente do adulto. Quando você entra no adulto, você deixa de jogar contra meninos da mesma idade, e joga contra Sampras, Agassi, e você nao está preparado para isso. Esse é o primeiro soco na cara. O segundo é dinheiro. O pai tem que botar durante um tempo dinheiro, para você jogar o circuito, tomar muita porrada, ir ganhando aos poucos. Até chegar nos 200 do mundo e você começa a se pagar. Mas quem paga essa conta até lá? Na nossa época era o pai. Ele botava grana – relembra.

Fernando Meligeni no início da carreira - Aquivo pessoal
Fernando Meligeni no início da carreira – Aquivo pessoal

DIVISOR DE ÁGUAS

Nascido na Argentina, Meligeni sempre foi tachado de gringo por alguns torcedores no início de sua carreira, enquanto alguns dirigentes ainda não engoliam sua nacionalidade brasileira. Nas Olimpíadas de 1996, em Atlanta, passou por um imbróglio gigantesco até o Comitê Olímpico do Brasil (COB) confirmar a participação dele no evento. O tenista jogou, fez uma grande campanha e ficou na quarta posição, a melhor posição de um brasileiro até hoje na modalidade.

– Foi um divisor de águas na minha vida, na minha carreira, foi uma bandeira que eu botei de brasileiro, em todos os sentidos. A Olimpíada foi um marco porque é sonho de atleta. O quase da Olimpíada me ensinou muito.Tudo que a Olimpíada me trouxe como pessoa e atleta… só coisa boa. A única coisa que eu não ganhei foi a medalha – disse.

Fernando Meligeni nas Olimpíadas de 96 - Arquivo pessoal
Fernando Meligeni nas Olimpíadas de 96 – Arquivo pessoal

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