Maior nome da modalidade street, skatista pioneira levou às pistas seu “mundo rosa” para quebrar tabus no skate e empoderar meninas para serem quem elas quiserem ser

Por Lorena Dillon – Rio de Janeiro
 
Ela está no Guinness Book, no videogame, em programas de TV, em capas de revista, no pódio e, principalmente, na história do skate mundial. O currículo de Letícia Bufoni é de uma pioneira em conquistas que vão além do desempenho esportivo, sobretudo no cenário do skate, ainda dominado por homens. Recordista em medalhas nos X Games, ela foi a única brasileira indicada na revista “Forbes” como uma das maiores influenciadoras do mundo esportivo abaixo dos 30 anos. É a primeira mulher a ser patrocinada por marcas até então exclusivas para atletas masculinos, a ter sua própria linha de shapes, e não para por aí.

O maior nome feminino da modalidade street do Brasil é uma desbravadora até quando leva seus cabelos pintados de rosa para as pistas de skate, cor simbólica que remete ao sexo feminino, mas também por fazer disso uma marca de que, para ser habilidosa sobre as rodinhas, não foi preciso ser como os meninos. Letícia pôde ser quem ela quis ser. E foi em busca de conhecer mais quem essa paulistana de 27 anos quer ser como referência que o ge a convocou para um bate-papo.

Letícia Bufoni traz sua marca feminina para as pistas de skate: as madeixas rosas - Steven Lippman / Red Bulletin
Letícia Bufoni traz sua marca feminina para as pistas de skate: as madeixas rosas – Steven Lippman / Red Bulletin

ROMPENDO PADRÕES NO SKATE

O primeiro tabu quebrado pela skatista foi justamente romper os padrões até então visto com bons olhos pelos frequentadores dos skateparks. Para serem respeitadas, as meninas se vestiam com roupas largas e pouco femininas para conseguirem se misturar em meio aos homens. Quando Letícia apareceu com suas unhas rosas, cabelos feitos, corpo definido e rosto maquiado, causou não apenas admiração, mas um estranhamento pelo perfil fora do comum. Ali ela deixava sua primeira marca.

– O que eu falo para as meninas mais novas é que você pode ser uma menina feminina e pode também andar de skate. Antigamente, as meninas eram muito “tomboy” (pouco feminina) e elas precisavam ser “tomboy” para serem aceitas no skatepark, hoje em dia não tem mais isso. Hoje se você aparecer toda menininha, os meninos não vão te criticar, eles vão gostar, vão falar “olha que bonita, a menina toda bonitinha andando de skate”. Hoje o skate está bem mais feminino do que antigamente.

No começo da carreira, a adolescente da Vila Matilde amava jogar bola com os amigos de bairro e andar de skate. Ser vaidosa era assunto das irmãs mais velhas que, aos poucos, foram levando a caçula a gostar de se cuidar. Rosa deixou de ser a cor odiada e foi parar nos cabelos tingidos, na forma de se vestir e de se expressar de Letícia. Basta conferir seu perfil nas redes sociais. A cor escolhida poderia ter sido azul, marrom, amarela, ou qualquer outra que a fizesse se sentir empoderada.

Letícia Bufoni - Reprodução/instagram
Letícia Bufoni – Reprodução/instagram

“O MUNDO COR DE ROSA” DE BUFONI

O “mundo cor de rosa” de Bufoni hoje é a identificação de muitas meninas que não viam representatividade num ambiente dominado pelos homens. O mais novo espaço ocupado por ela é a prova disso. O famoso jogo de videogame de Tony Hawk, lenda viva da modalidade, pela primeira vez tem uma skatista brasileira como personagem.

– É muito bom não só fortalecer o skate feminino, como o skate brasileiro. Estar num jogo, ter uma menina de 8, 10 anos que pode escolher entre o meu boneco ou o boneco de um menino, eu acho que foi isso que eu sempre busquei no videogame. Quando eu comecei a jogar, tinha uma menina que se chamava Elissa Steamer, então eu sempre jogava com ela, eu não queria jogar com menino. É muito bom poder inspirar as pessoas através do videogame também.

Ser um personagem de videogame nem passava pela cabeça da menina que brincava com seu ídolo virtual Elissa Steamer, a primeira skatista mulher a se tornar profissional do mundo na década de 90. A americana pioneira no esporte era a referência daquela geração. Hoje, Letícia assumiu esse papel com muita alegria e humildade.

– É surreal em pensar! Só cai a minha ficha quando eu chego na casa dos amigos e vejo eles jogando ou aqui em casa quando alguém me joga. As pessoas postando na internet é legal, mas quando você ve pessoalmente, me dá uma sensação… é inexplicável! Caramba, quando eu era pequena, eu jogava esse jogo e hoje os meus amigos, os meus fãs jogam, só que jogam com meu boneco! É uma sensação de realização, de ter realizado um sonho. Na verdade, eu acho que nunca nem chegou a ser um sonho ser personagem de videogame, é muito mais além de um sonho.

Letícia Bufoni no famoso skate park de Venice Beach, na Califórnia - Steven Lippman / Red Bulletin
Letícia Bufoni no famoso skate park de Venice Beach, na Califórnia – Steven Lippman / Red Bulletin

Ser a referência de uma geração é assumir responsabilidades, e Letícia não quer desperdiçar a força que seu nome tem no skate. Em primeira mão, revelou ao ge que está trabalhando nos bastidores para criar um campeonato apenas para as meninas, ainda sem data prevista. Além disso, sempre que pode, atua junto à CBSK (Confederação Brasileira de Skate) para que ações favoráveis às mulheres estejam sendo pensadas e elogiou a presença de Karen Johnz, tetracampeã mundial de skate vertical, dentro da confederação.

– Tenho muita vontade de fazer um circuito de competições só para meninas, acho que a gente nunca teve isso, um evento grande só para as meninas, até tive uma reunião essa semana sobre isso. Ainda é um sonho só, agora que eu venho compartilhando com as pessoas, mas ainda falta muita coisa, acho que talvez seja para depois das olimpíadas. Vai ser um ano mais tranquilo! Imagino com várias etapas, com ranking, um evento que dê oportunidade para meninas do mundo inteiro de participar, não apenas da elite. Quero uma premiação que pague bem, para que elas possam viajar, possam investir nelas mesmas. O skate feminino ainda falta muito apoio.

O “furacão Bufoni” ganhou notoriedade quando se mudou de São Paulo para a meca do skate mundial em Los Angeles, nos Estados Unidos, ao 13 anos, em busca de aprimorar seu nível técnico. A partir dali, atraiu os holofotes de grandes patrocinadores, ganhou campeonatos importantes como X Games, no qual é recordista com cinco medalhas de ouro, três de prata e três de bronze. Hoje Letícia estampa capas importantes de revistas, tem seu programa de TV no canal a cabo e uma legião de fãs: são quase três milhões no Instagram.

De forma sutíl, Letícia usa a cor rosa nos acessórios, sua marca dentro das pistas - Matheus Coutinho
De forma sutíl, Letícia usa a cor rosa nos acessórios, sua marca dentro das pistas – Matheus Coutinho

Para quem acompanha as aventuras de Letícia nas redes sociais, sabe que a paixão dela é o esporte. Se não está andando de skate, é comum vê-la em cima de alguma prancha. Surfe e wakeboard complementam as atividades “extracurriculares” da skatista que também tem muito talento com a bola. Assídua nas postagens sobre seu dia a dia com amigos e família, o pequeno recorte da sua personalidade que é exposto ali é 100% genuíno.

– Quando eu admiro uma pessoa, eu quero saber como ela é fora do esporte, ou fora da profissão dela. Então isso foi uma coisa que eu sempre quis passar para os meus fãs. Eu sempre quis mostrar quem sou fora do skate. Eu sou uma menina normal, faço qualquer coisa que outra menina da minha idade faz. E isso foi um dos motivos que eu sempre quis fazer as minhas redes sociais sozinha, nunca quis deixar nenhuma empresa cuidar. Quando você é fã de uma pessoa, você quer ver pelos olhos dela, e não uma terceira pessoa. Acho importante o fã ter essa conexão com você, que eu sou uma pessoa normal e que eles podem chegar onde eu cheguei. Eu vim do nada. Era apenas uma menina brincando na rua de andar de skate, depois eu me profissionalizei, então qualquer pessoa pode chegar onde eu cheguei.

O BONDE FEMININO BRASILEIRO DE SKATE

As manobras de alta complexidade feitas em obstáculos de rua como corrimões e escadas parecem fáceis quando executadas nos pés da brasileira. A força e a explosão de Leticia no skate a fizeram dominar como poucas no mundo a modalidade street. E foi elevando o skate feminino nos últimos anos que hoje a melhor geração do mundo é brasileira.

A atual campeã mundial de street Pâmela Rosa, e Rayssa Leal, que aos 11 anos venceu etapa da SLS, são fortes nomes para representarem o Brasil em Tóquio. Apesar de estar fora de competições desde a lesão que sofreu em setembro de 2019, Bufoni tem tudo para estar na seleção. No skate park, modalidade que também estreia nas Olimpíadas no próximo ano, tem também “um bonde feminino” potente, com Yndiara Asp, Dora Varella e Isadora Pacheco, entre outros nomes.

+Veja quem são as meninas que estão mudando o cenário do skate park feminino brasileiro

– Hoje o skate brasileiro feminino tem muito mais respeito, está vivendo a melhor fase. Nesses últimos dois anos, das cinco primeiras do ranking mundial (street), três eram brasileiras. O skate feminino realmente está vivendo sua melhor fase, estão até mais bem posicionadas do que os meninos. Agora é o nosso momento e as olimpíadas vão ajudar ainda mais o skate feminino. Nossa equipe está muito forte, tem tudo pra ir super bem em Tóquio e ter várias medalhas pro skate brasileiro.

E para quem pensa que Letícia já desbravou todos os novos espaços que ela poderia conquistar, engana-se. Em 2021, ela pode mais uma vez se tornar a primeira mulher na história a conquistar uma medalha de ouro no skate em Olimpíadas, já que será a primeira vez do esporte nos Jogos. O “furacão” Letícia Bufoni poderá reforçar o título desta matéria: a pioneira que levou às pistas seu “mundo rosa” para quebrar tabus no skate. Neste caso, o rosa vai se transformar em verde e amarelo.

– Eu faço tudo o que posso, ainda mais com a Olimpíada chegando, primeira vez, vai ser o mundo inteiro assistindo. A pressão que a gente vai ter nesse evento vai ser muito maior do que em qualquer outro evento. É muito importante estar 100% em tudo e não só no skate. Em primeiro lugar, a cabeça precisa estar bem. Vai ser um sonho! Eu estou mais ansiosa pela notícia de que eu estou dentro.

Letícia Bufoni comemora a prata no Mundial de Skate Street - Pablo Vaz
Letícia Bufoni comemora a prata no Mundial de Skate Street – Pablo Vaz

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