Por Alexandre Alliatti e Olímpio Vasconcelos — São Paulo e Cuiabá

Whevertton de Oliveira, mais conhecido como Pop, viu do banco de reservas a vitória do seu time, o Cuiabá, sobre o Botafogo, semana passada, pela Copa do Brasil.

O atacante de 18 anos foi testemunha ocular da nova façanha de um clube que vem conquistando espaço no futebol brasileiro – a ponto de ser apelidado de Cuiabayern por torcedores mais empolgados. E da beira do campo, enquanto vibrava com aquele 1 a 0 no Rio de Janeiro, Pop carregava uma particularidade: de todos os 19 jogadores do Cuiabá relacionados para a partida, era o único mais jovem do que o próprio clube.

Comparado à tradição dos adversários que vem enfrentando, o time de Mato Grosso é um recém-nascido. O clube chegou à maioridade há menos de um ano. Foi fundado em dezembro de 2001. É muito mais jovem do que os demais 15 participantes ainda vivos na Copa do Brasil. É também o mais jovem entre todos os 20 integrantes da Série B do Brasileirão – na qual é o vice-líder.

Criado por um ídolo do Flamengo, o Cuiabá é um clube-empresa que paga em dia, joga em estádio de Copa do Mundo, conta com um elenco recheado de jogadores que passaram por grandes equipes, tem no comando um treinador que rejeitou o Cruzeiro e já soma partidas épicas, com títulos improváveis. A grande meta é estar na Série A em 2021. Mas a Copa do Brasil surge a reboque do sucesso recente.

Às 19h (de Brasília) desta terça-feira (18h no horário local), o Cuiabá reencontra o Botafogo e precisa de um empate para avançar às quartas de final do torneio – o SporTV transmite ao vivo, e o ge acompanha em Tempo Real neste link.

Escolinha de ídolo do Flamengo vira clube-empresa

O Cuiabá existe por causa de Luís Carlos Tóffoli, o Gaúcho. O ex-atacante, campeão brasileiro com o Flamengo em 1992, tinha uma escolinha na capital mato-grossense e decidiu transformá-la em clube em 2001, para disputar campeonatos amadores. Nascia o Cuiabá Esporte Clube, que dois anos depois, já como profissional, confirmaria sua vocação para a precocidade e seria campeão estadual pela primeira vez.

Gaúcho, ex-atacante do Flamengo, fundador do Cuiabá, com a taça de campeão estadual — Foto: GloboEsporte.com

Gaúcho, ex-atacante do Flamengo, fundador do Cuiabá, com a taça de campeão estadual — Foto: GloboEsporte.com

– Cheguei logo que se profissionalizou, em 2003. Era um clube começando, com salários de 300 reais, e conseguimos ser campeões. O Gaúcho, além de ter jogado, sabia ser um presidente, sabia entender os jogadores. Ele era um cara fora do comum.

No ano seguinte, ainda com Gaúcho no comando, o Cuiabá foi bicampeão estadual. Mas o sucesso não se manteve. Em 2005 e 2006, o clube não alcançou as finais. Mal das pernas financeiramente e em conflito com a federação local, decidiu se licenciar. Ficaria três anos parado. E voltaria mais forte.

Em 2009, o Cuiabá foi comprado pela família Dresch, dona de uma empresa do ramo da borracha – e que patrocinava o clube nos primeiros anos. Os Dresch viram uma oportunidade na escolha da cidade como sede da Copa do Mundo de 2014. Naquele momento, Gaúcho não estava mais entre os proprietários. Ele havia vendido sua parte a outros dois sócios em 2007.

Aron Dresch, ex-presidente do Cuiabá, virou presidente da federação estadual — Foto: Pedro Lima/Cuiabá Esporte Clube

Aron Dresch, ex-presidente do Cuiabá, virou presidente da federação estadual — Foto: Pedro Lima/Cuiabá Esporte Clube

Com a família Dresch, o clube recuperou poder financeiro, passou a investir em estrutura e firmou o compromisso de sempre pagar os jogadores em dia. Em dois anos, veio o resultado: o clube disputou a Série D do Campeonato Brasileiro, chegou às semifinais e conquistou acesso à Série C, de onde só sairia para subir um degrau e alcançar a Segundona.

Ary Marques foi o técnico responsável pelo acesso – e também pelo título estadual de 2011. Ele chegou ao clube no ano anterior.

– Começamos um trabalho do zero. Fomos campeões de uma Copa que dava vaga à Copa do Brasil. Depois, no ano seguinte, já conseguimos o Estadual. Mas o sonho era a Série D. E, no mesmo ano, já conseguimos acesso pra Série C – diz o treinador.

– O Cuiabá tem estrutura. Em 2009, já compraram um hotel que hoje é o centro de treinamentos. Naquela época, a gente já morava nesse hotel. Os jogadores tinham seu quarto, com ar-condicionado. Eles (a família) têm dinheiro, têm uma empresa sólida. Em pagamento, estrutura, tudo que eu pedia, eles iam conseguindo. Quando tem um dono, é melhor. Em outros clubes, a cada ano é um presidente, um dirigente, e aí faz as dívidas para o diretor seguinte pagar – completa.

Ary Marques foi o técnico do acesso do Cuiabá à Série C — Foto: Assessoria/Cuiabá Esporte Clube

Ary Marques foi o técnico do acesso do Cuiabá à Série C — Foto: Assessoria/Cuiabá Esporte Clube

O meia Fernando, um dos maiores ídolos da história do Cuiabá, tem passagens por clubes mais tradicionais, como Flamengo, Vila Nova, Atlético-GO e Santo André. E elogia a estrutura do clube de Mato Grosso.

– Desde que eu comecei, em 2011, sempre fui um clube muito correto, transparente. É muito organizado dentro e fora. O maior fator é ser um clube-empresa, um clube de dono. No futebol, tem muito empresário colocando jogador nos clubes, e lá tem dono. O dinheiro sai do bolso dos donos. Já passei por clubes maiores que não têm metade da estrutura que o Cuiabá tem. É material de ponta, de qualidade.

 

Fernando, ídolo do Cuiabá — Foto: Assessoria/Cuiabá Esporte Clube

Fernando, ídolo do Cuiabá — Foto: Assessoria/Cuiabá Esporte Clube

Depois de subir à Série C, o Cuiabá mostrou rendimento crescente: primeiro tratou de sobreviver, depois se consolidou, depois alcançou o acesso. Veja abaixo:

  • 2012: penúltimo do grupo
  • 2013: oitavo no grupo
  • 2014: sétimo no grupo
  • 2015: sétimo no grupo
  • 2016: sexto no grupo
  • 2017: sexto no grupo
  • 2018: vice-campeão

De 2011 para cá, o clube também voltou a conquistar títulos. Ganhou mais seis vezes o Estadual (2013, 2014, 2015, 2017, 2018 e 2019). E levou duas vezes a Copa Verde, em finais memoráveis (saiba mais abaixo), além de garantir o acesso à Série B como vice-campeão da Terceirona em 2018.

As conquistas mais recentes, porém, não tiveram a presença de Gaúcho, o fundador do clube. Em 2016, ele morreu aos 52 anos, vítima de câncer de próstata.

O Cuiabá hoje: rostos conhecidos e técnico que rejeitou o Cruzeiro

O Cuiabá hoje é comandado por uma espécie de segunda geração da família Dresch. Alessandro, o presidente, e Cristiano, o vice, são filhos de Manoel e sobrinhos de Aron. Como treinador, eles apostam há mais de um ano em Marcelo Chamusca.

O técnico, de 54 anos, foi convidado no mês passado para treinar o CruzeiroE rejeitou o convite. Na época líder da Série B, ele preferiu a solidez do trabalho no Cuiabá à incerteza no gigante mineiro.

Marcelo Chamusca, técnico do Cuiabá — Foto: AssCom Dourado

Marcelo Chamusca, técnico do Cuiabá — Foto: AssCom Dourado

No Cuiabá, Chamusca (irmão de Péricles Chamusca, campeão da Copa do Brasil de 2004 com o Santo André) vê uma perspectiva clara de conquistar o acesso à primeira divisão nacional. E vê respaldo ao trabalho que realiza.

– No final do ano passado, o clube me fez uma proposta de continuidade. Coloquei alguns pontos importantes sobre melhorar a estrutura. E aí o clube construiu uma nova academia, melhorou o gramado do CT, implementou departamento de nutrição, melhorou a análise de desempenho, investiu em departamento médico e de fisiologia. (…) Então, vejo o Cuiabá com muito potencial para continuar brigando até o final. Temos tudo para manter, porque temos um bom elenco, um clube organizado e um bom vestiário. É uma situação muito realista continuar nessa posição até o final do campeonato. A Copa do Brasil é um bônus que estamos tentando conquistar. Se não avançar, não muda em nada nosso planejamento na Série B. Queremos passar, mas não é o principal objetivo.

Elton (D), ex-Corinthians e Vasco, é o nome mais famoso do Cuiabá — Foto: AssCom Dourado

Elton (D), ex-Corinthians e Vasco, é o nome mais famoso do Cuiabá — Foto: AssCom Dourado

Marcelo Chamusca conta com um elenco experiente para tentar o acesso. O jogador mais famoso do grupo é o atacante Elton, ex-Vasco e Corinthians – que não pode jogar a Copa do Brasil por já ter atuado nela pelo Sport. Outros rostos conhecidos:

  • Anderson Conceição, zagueiro, ex-Bahia, Figueirense e América-MG.
  • Everton Sena, zagueiro, ex-Goiás e Vitória.
  • Lenon, lateral, ex-Flamengo, Vasco e Guarani.
  • Lucas Hernández, lateral, ex-Atlético-MG.
  • Romário, lateral, ex-Ceará e Santos.
  • Ferrugem, volante, ex-Corinthians, Ponte Preta, Sport e Figueirense.
  • Jean Patrick, volante, ex-Vasco, Sport e Fortaleza.
  • Nenê Bonilha, volante, ex-Corinthians e Fortaleza.
  • Diego Jardel, meia, ex-Botafogo e Avaí.
  • Elvis, meia, ex-Botafogo.

Além disso, o clube tem como auxiliar Caio Autuori, filho de Paulo Autuori, atual técnico do Athletico.

E a torcida?

Nascido de uma escolinha, o Cuiabá iniciou sua história praticamente sem torcida.

– Não tinha torcida nenhuma. Era só família, uma meia-dúzia. O Cuiabá não tinha torcedor. Mas foi crescendo. Quando a gente conseguiu o acesso, já tinha torcida organizada, umas faixas do dourado (peixe que é mascote do clube) – lembra o técnico Ary Marques.

Em menos de duas décadas, o Cuiabá não chegou perto de formar uma torcida de massa, mas hoje tem apoiadores fieis. É o caso de Carlos Silva, que acompanha o clube desde o início e foi o fundador de sua primeira torcida organizada.

Carlos Silva (D), criador da primeira organizada do Cuiabá — Foto: Arquivo pessoal

Carlos Silva (D), criador da primeira organizada do Cuiabá — Foto: Arquivo pessoal

Um dos grandes orgulhos do Cuiabá foi ter batido o recorde de público da Arena Pantanal. Foram 41.311 presentes na decisão da Série C de 2018, contra o Operário-PR – que ficou com o título. O número foi superior ao dos jogos que o estádio recebeu na Copa do Mundo de 2014: Chile 3 x 1 Austrália, Rússia 1 x 1 Coreia do Sul, Nigéria 1 x 0 Bósnia e Colômbia 4 x 1 Japão.

Torcida do Cuiabá na Arena Pantanal — Foto: Assessoria/CuiabáEC

Torcida do Cuiabá na Arena Pantanal — Foto: Assessoria/CuiabáEC

Os milagres

O jogo mais emblemático da história do Cuiabá rendeu a conquista da Copa Verde em 2015. Depois de levar 4 a 1 do Remo no primeiro jogo da final, em Belém, o time do Mato Grosso precisava de uma goleada para ser campeão. E conseguiu: venceu por 5 a 1 na Arena Pantanal. Virou o primeiro tempo ganhando por 3 a 0 e completou o placar na etapa final. O atacante Raphael Luz, com três gols, foi o grande herói da partida – que ficou conhecida como “Milagre do Pantanal”.

No ano passado, o Cuiabá foi bicampeão do torneio com mais uma dose de drama. Depois de perder o primeiro jogo em casa por 1 a 0 para o Paysandu, conseguiu devolver o placar na volta, no Mangueirão. Detalhe: com um gol no último lance, que levou a decisão aos pênaltis – vencidos pelo Cuiabá por 5 a 4.

– A gente foi jogar o último jogo contra o Brasiliense, e nos prometeram uma premiação. Saímos perdendo por 1 a 0, eles perderam um pênalti, e no intervalo o presidente chegou no vestiário e prometeu aumentar o prêmio. No segundo tempo, viramos. Chegamos em casa e já tinha o prêmio na nossa conta – lembra o meia Fernando.

O retorno à Série D naquele ano poderia diminuir o investimento no clube – e interromper a ascensão que, sete anos depois, tem o clube como concorrente à Série A e a um empate das quartas de final da Copa do Brasil.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui