Primeiro português a dirigir a “vinotinto” aposta em ajustes ofensivos e aplicação total para seguir evolução de seleção: “Não é possível no nosso time que dois ou três vivam dia ruim”
Por Raphael Zarko — Teresópolis (RJ)
Última colocada nas Eliminatórias de 2018 – com 12 pontos ganhos em 18 jogos e apenas duas vitórias -, a Venezuela segue em busca de evolução no futebol do continente. É a única seleção sul-americana que nunca disputou uma Copa do Mundo – entre as 10 que participam das Eliminatórias.
A marca não assusta Peseiro, de 60 anos. O técnico concedeu entrevista ao ge por telefone, por volta das 22h da noite de terça-feira, depois de treinar a equipe no CT do Palmeiras. Ele foi técnico da seleção da Arábia Saudita – passou pela Espanha (foi auxiliar de Carlos Queiroz, atual técnico da Colômbia, no Real Madrid em 2002), Grécia, Egito, Emirados Árabes, Romênia e começou a carreira em clubes pequenos em Portugal até passagens por Porto e Sporting.
– Muita coisa deve andar junto, em termos de organização, de estrutura, condições de trabalho. Esse momento de pandemia provoca dificuldades, ainda mais num país que se encontra na situação da Venezuela, por causa do embargo. Mas acreditamos nesse sonho, não sei qual a percentagem de se classificar para o Mundial. É de 2%, 3%, 4%, 7%? Não é fácil fazer contas disso. O que vai fazer diferença é estarmos bem organizados dentro de campo, todos acreditarem que é possível, correr tanto ou mais do que o adversário. Não é possível, na Venezuela, que dois ou três vivam um dia ruim. É possível haver um dia ruim para jogadores de qualquer equipe, mas para a Venezuela não é possível. Podemos falar de favoritos como Brasil, Argentina, Colômbia, Uruguai… Peru esteve no último Mundial, Paraguai já esteve no Mundial – disse Peseiro.
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José Peseiro com Laureano, que se afastou por motivos de saúde da federação: o substituto morreu de Covid-19 — Foto: Reprodução
Peseiro lamenta as condições do início do seu trabalho na Venezuela. Planejou viagens a Europa e aos EUA para visitar atletas numa lista larga de convocados nos últimos dois pelo seu antecessor Rafael Dudamel – terminou ficando no meio do caminho, em Lisboa, e se refugiando em Portugal na quarentena. A Copa América de junho, que terminou adiada para 2021, era sua expectativa de trabalhar conceitos e implantar estilo de jogo diferente.
Ele reconhece avanço no futebol venezuelano – e cita a quantidade de jogadores na Europa (11) e apenas seis ainda no próprio país na lista de 29 atletas -, mas tem claro que é preciso modificar, aos poucos, o sistema de jogo. Nas primeiras rodadas, Peseiro teve enormes dificuldades para trabalhar, com jogadores chegando a conta-gotas em Barranquilla – Soteldo, por exemplo, chegou no dia do jogo.
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Peseiro treina a equipe no CT do Palmeiras — Foto: FVF
– Essa seleção desenvolveu-se muito bem num processo defensivo consistente para que a Venezuela deixasse de ser goleada para ser uma equipe que disputa os resultados. Partiu do 0 a 0 para ganhar de 1 a 0. Dudamel usava sistema defensivo baixo, compacto, para depois agredir na transição ofensiva. Mas, evidentemente, que sabemos que isso não é o bastante para chegar ao Mundial. Devemos pensar que isso está consolidado e devemos dar outro passo, para ser um pouquinho mais agressivo, mais audaz. Não é mudar para uma equipe que domina o jogo e controla a posse. Não é isso que esta equipe está preparada, nem há as condições para fazer isso – observou o técnico português.
– Precisamos colocar, por exemplo, pressão ofensiva na primeira linha adversária, alguns momentos baixar as linhas, mas também ganhar a bola na pressão alta, para recuperar mais próximo do gol adversário e associar mais contra-ataques. Ao invés de sair com dois, três jogadores, adicionar mais um ou dois e tentar ter, em alguns momentos, mais posse de bola. Não é fácil. A complexidade de construir uma equipe de defesa é muito mais fácil do que de ataque. E ainda manter-se equilibrada. Queremos dar um pouco mais de ofensividade, para ter mais a bola e “descansar” com a bola também. Isso tudo sabemos que demanda tempo. É difícil fazer uma equipe num clube, mais difícil é na seleção. Mesmo tendo os melhores de um país.
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Convocação da seleção venezuelana de José Peseiro — Foto: FVF
No início da carreira, Peseiro passou pelo Brasil, para observar jogadores – “de Maceió a Porto Alegre” -, aqui encontrou Liédson, que levou para o Sporting, e Paulo Assunção, para o Porto. Em 2015, veio a São Paulo conversar com a diretoria do tricolor paulista. Não chegou a acordo. No périplo rubro-negro até encontrar Domenec Torrent, encontrou-se com dirigentes rubro-negros em Portugal.
No Sporting, dirigiu Ricardo Sá Pinto, atual técnico do Vasco, e no Braga conviveu com Abel Ferreira, que era treinador da equipe B. Ele reconhece que o mercado está aberto para portugueses.
– Creio que com o extraordinário trabalho de Jorge Jesus no Flamengo, embora eu tivesse tido contatos com clubes brasileiros antes, este contato dos dirigentes com treinadores portugueses aumentou – comentou.
Formado em educação física, ex-professor universitário, Peseiro faz referência à famosa escola de treinadores portugueses. Lembra que a formação é idêntica, mas que as variáveis são inúmeras diante de experiências de vida de cada um. Ressalta que os dirigentes de clubes precisam identificar as características e ver como encaixar em seu elenco. Para isso, é necessário conversa mais profunda, uma entrevista de emprego, realmente. Foi dessa maneira que conversou com São Paulo e Flamengo.
– O treinador de qualidade e capaz é aquele que mais consegue tirar proveito das características dos jogadores. O treinador português está em todo mundo e em todas as ligas, mas o futebol brasileiro também já teve essa onda. Chegamos a ter oito treinadores brasileiros em nossa liga em Portugal. Posso dizer que há grandes treinadores do Brasil, mas será que dão condições de tranquilidade, serenidade a esses treinadores? Não é em dois meses que se põe equipe para jogar, não creio. Acredito que os treinadores brasileiros estão atualizados e capacitados para o futebol mundial. Não acredito que o conhecimento só esteja com os europeus, se o conhecimento está aí para todo lado.
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Venezuela no jogo em Mérida: geração “vinotinto” alimenta sonho de ir para a primeira Copa — Foto: FVF